Três possíveis explicações da razão pela qual Deus permitiu o pecado
De acordo com tudo quanto foi dito acima, vemos que o
mal moral, tanto em sua origem como em seu prosseguimento, foi incluído nos
decretos de Deus como permitido, mas
permitido com algum sábio objetivo.
Que Deus
decretou permitir o pecado, desde toda a eternidade, vê-se no fato que, também
desde toda a eternidade, Ele decretou salvar pessoas mediante a morte de Cristo, como se declara na seguinte passagem das Escrituras:
“Não foi mediante coisas, corruptíveis,
como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos
pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem
mácula, o sangue de Cristo, conhecido,
com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos,
por amor de vós” (1Ped.1:18-20; veja-se também o v. 2 e
Rom.8:29; 2Tim.1:9; Tito1:2; Apoc.13:8).
Há outra pergunta a fazer em conexão com este assunto, a saber: Por que permitiu Deus que o mal entrasse no mundo? Se Ele odeia o mal e tem todo o poder, de modo que podia tê-lo impedido, por que o permitiu com suas consequências indescritivelmente dolorosas? Esta é a pergunta que mais nos deixa perplexos.
Jamais seremos
capazes de responder a ela nesta vida.
“A permissão e a presença do pecado no universo, onde Deus infinitamente santo, exerce domínio, ocasionam um entrechoque de idéias, as quais, por tudo quanto envolvem, nenhum espírito humano pode harmonizar completamente. Tendo-se em vista as duas realidades inconciliáveis, Deus e o pecado, é certo que a solução da dificuldade não será descoberta nem na suposição de que Deus era incapaz de impedir o aparecimento do pecado no universo, nem de que Ele não pode fazê-lo cessar a qualquer momento. Na procura dessa solução, é certo que o dilema não será vencido ou atenuado, supondo-se que o pecado não é excessivamente mau à vista de Deus — pois Ele tem-lhe aversão absoluta. O fato permanece sem modificação, que Deus, ativa e infinitamente santo e absolutamente livre em seus empreendimentos, sendo capaz de criar ou não criar, e de excluir o mal daquilo por Ele criado, permitiu não obstante que o mal aparecesse e operasse na esfera dos anjos e do homem. Esta perplexidade sobe de ponto, atingindo um grau imensurável, se considera o fato de que Deus sabia, quando permitiu a manifestação do pecado, que este lhe custaria o maior sacrifício que lhe seria possível fazer — a morte de seu Filho. As Escrituras atestam, com bastante ênfase que (a) Deus é todo-poderoso e, por conseguinte, não recebe imposição do pecado contra sua vontade permissiva; (b) que Deus é perfeitamente santo e odeia o pecado incondicionalmente; e (c) que o pecado está presente no universo, ocasionando toda sorte de malefícios aos seres criados e que esse dano, em vista da incapacidade de alguns de entrarem na graça da redenção, pesará sobre eles por toda a eternidade”.
Embora as perguntas acerca deste problema sejam de fato desconcertantes, algumas respostas têm sido sugeridas. Vou referir algumas.
Sendo o propósito final de Deus trazer os homens à sua semelhança, estes, para alcançar esse fim, devem chegar a saber em certo grau o que Deus sabe. Devem reconhecer o caráter maligno do pecado. Este, intuitivamente, Deus conhece; mas tal conhecimento pode ser adquirido, pelas criaturas, apenas por meio de observação e experiência. Obviamente, se o propósito divino tem de ser realizado, ao mal deve-se permitir que se manifeste. O que a demonstração do pecado e sua experiência podem significar para os anjos não está revelado”.
Uma segunda explicação é que a existência de agentes livres no universo seria uma possibilidade virtual de revolta contra Deus, em qualquer tempo.
Noutras palavras, a existência de vontades livres, capazes de se opor à vontade de Deus, seria, por toda a eternidade, um principio potencial de pecado, e tal princípio de pecado tinha de ser trazido “a juízo completo e final”. Deus desejou tornar impossível, no fim, não somente a realidade do pecado, mas até sua possibilidade. Como não é possível condenar uma abstração, Deus permitiu que o pecado ou o mal se concretizasse, de modo a poder ser condenado na cruz, onde seu caráter foi plenamente revelado nos sofrimentos do Filho de Deus. Por essa forma todas as criaturas de Deus aprenderiam que coisa insana, penosa indescritivelmente ingrata e desastrosa é desobedecer a Deus, e depois da experiência dolorosa do pecado todas elas se conformariam natural e alegremente com a sua perfeita vontade e trilhariam seus caminhos sapientíssimos. Foi esta a experiência do Filho Pródigo.
Desde o dia em que Eva, aos prantos, gritou desesperada ao ver seu querido filho Abel morto pelo próprio irmão, “por que Deus isso aconteceu?”, passando pela dolorosa experiência de Jó, por todo o mal em inúmeros níveis ao longo da história e pelo mal que hoje vemos ao nosso redor e do que experimentamos pessoalmente (existe coisa mais triste e desalentadora do que o setor de oncologia infantil de um hospital?) o homem, teólogos ou não tem perguntado: “por que o mal existe?”
No dia do juízo final, quando TODOS os seres livres do universo (anjos e homens) estiverem presentes assistindo a condenação final dos perdidos, não restará dúvidas, exercer o poder de escolha para escolher o mal é algo muito sério e cujas consequências são inimagináveis...
Imaginem o sentimento de Adão e Eva, que também estarão presentes naquele Dia, contemplarem as consequências de sua decisão pela desobediência, ao verem bilhões (!!!) de seus filhos sendo jogados aos gritos, um por um, para um lago de fogo onde a fumaça de seu tormento subirá pelos séculos dos séculos!
Não apenas eles, mas todos nós veremos esta horrível cena, quando amigos, inimigos, parentes, pessoas que gostávamos e pessoas que detestávamos, bilionários, famosos, mendigos e inexpressivos, jovens e velhos, genocidas e operosos altruístas descerão para uma eternidade de sofrimento sem fim, como ilustração eterna do que o mal é capaz de produzir...
Sim, neste Dia, será explícita e indiscutível, nos eleitos, a convicção de quão desastrosa é a rebelião.
Uma terceira explicação é que Deus permitiu o pecado a fim de ter oportunidade de dar a conhecer sua justiça e sua graça, que jamais poderiam ser reveladas se no mundo não houvesse pecadores, para serem condenados, ou serem salvos.
Paulo sugere isso nas seguintes passagens: “Que diremos, pois, se Deus querendo mostrar a sua ira, e dar
a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados
para a perdição, a fim
de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia,
que para glória preparou de antemão?”
(Rom.9:22,23). “Assim como nos escolheu
nele antes da fundação do mundo... para louvor da glória de sua graça, que ele
nos concedeu gratuitamente no Amado... a fim de sermos para louvor da sua glória” (Ef.1:4-6, 9-12).
É interessante, porém, notar que a Bíblia jamais
procura responder nossas perguntas sobre o problema do mal e do sofrimento.
No caso clássico de Jó, a única resposta que Deus lhe
deu foi que, se ele não podia entender os fatos mais simples da natureza, como
podia compreender os mistérios divinos? Todavia,
deve ter sido um gozo e glória indizíveis para ele saber que seus sofrimentos
contribuíram para a glória de Deus e confusão de Satanás. E note-se também que
no fim tudo para Jó veio a ser melhor do que no princípio. E o mesmo acontecerá
a todos quantos pertencem a Deus.
No caso do cego de nascença, temos o que podemos chamar
“o problema do mal num caso concreto”.
Cristo, no entanto, não procurou responder a pergunta acerca desse problema,
porém fez melhor, isto é, primeiro declarou que os sofrimentos daquele homem
foram permitidos para a glória de Deus, e depois o curou. E assim aprendemos que
Cristo não veio para responder nossas perguntas quanto ao problema do mal, mas,
muito melhor do que isso, veio para destruir o mal. Como Ele disse naquela
ocasião: “É necessário que façamos as
obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode
trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo” (Jo.9:4,5). E
havendo dito isso, deu luz ao cego.
Cristo veio para destruir o mal, “para destruir as obras do diabo”
(1Jo.3:8). Foi Ele que se tornou semente da mulher para esmagar a cabeça da
serpente. E Ele fez isso mediante sua vida, morte e ressurreição (Heb.2:14).
Agora Ele está à direita do Pai, aguardando o tempo fixado por Deus, em seus
decretos, quando todos os seus inimigos serão postos por estrado de seus pés
(Heb.1:13). No livro do Apocalipse, onde se nos descrevem as últimas coisas, vemos
o Cristo vitorioso destruindo todo o mal e toda oposição a Deus, e lançando a
antiga serpente, que é o diabo e Satanás, no lago de fogo e enxofre. Será
isso o fim da grande luta anunciada em Gen.3:15, fim glorioso com a vitória
completa da luz sobre as trevas, da verdade sobre a mentira, da vida sobre a
morte, do bem sobre o mal, de Deus sobre Satanás.
É verdade que não podemos explicar o problema intrincado do mal, mas isso não é o que mais importa: o mais importante é sabermos que o mal será destruído e no final tudo redundará na glória de Deus e no gozo e felicidade de todos quantos lhe pertencem.